A Resolução CFM nº 2.427/2025 e o impacto sobre a saúde de crianças e adolescentes trans: um alerta necessário

11.05.2025


No dia 8 de abril de 2025, foi publicada a Resolução nº 2.427 do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelecendo novas regras para o cuidado médico de pessoas trans no Brasil. A normativa trouxe três pontos centrais:

A resolução foi recebida com profunda preocupação por profissionais da saúde, instituições acadêmicas e movimentos sociais, que apontam graves riscos à integridade física e mental de jovens trans e seus familiares.

O que são bloqueadores hormonais?

Os bloqueadores hormonais são medicamentos utilizados para interromper temporariamente a progressão da puberdade. Essa interrupção permite que jovens trans tenham tempo para refletir, com o apoio de profissionais de saúde, sobre sua identidade de gênero e os próximos passos no cuidado.

Conforme apontam as diretrizes da Endocrine Society (Hembree et al., 2017) e da World Professional Association for Transgender Health – WPATH (SOC v8, 2022), os bloqueadores são seguros, reversíveis e fundamentais na prevenção de quadros graves de disforia de gênero, depressão, ansiedade e risco de suicídio.

O que está em jogo?

A proibição do uso desses recursos em crianças e adolescentes trans representa um grave retrocesso nas políticas públicas de saúde e viola princípios básicos de cuidado integral. Ela interfere em processos clínicos respaldados por evidência científica, enfraquece a autonomia médica e compromete a atuação ética de profissionais que já realizam esse acompanhamento de forma multidisciplinar, humanizada e informada.

Além disso, a resolução silencia os sujeitos mais diretamente impactados: os próprios jovens trans e suas famílias, que lutam cotidianamente por dignidade, reconhecimento e acesso a cuidados adequados.

Impactos para a saúde mental e social

Diversos estudos mostram que o acompanhamento adequado de pessoas trans na adolescência reduz consideravelmente índices de:

Ao limitar drasticamente o acesso a tratamentos baseados em evidência, a Resolução nº 2.427/2025 contribui para o agravamento dessas condições, contrariando o compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde.

O papel do SUS e da Portaria nº 2.803/2013

Desde 2013, a Portaria nº 2.803/GM/MS regulamenta o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo o cuidado integral à saúde de pessoas trans, incluindo acolhimento psicossocial, acompanhamento ambulatorial, bloqueio puberal, terapia hormonal e cirurgias.

A nova resolução do CFM, em vez de fortalecer essa política pública, passa a ser um instrumento de restrição ao acesso, contrariando a legislação em vigor e abrindo espaço para desassistência e judicialização.

O que defendemos

Reiteramos que a construção de políticas públicas em saúde deve ser feita com base na escuta ativa das populações afetadas, com respeito aos direitos humanos e alinhamento com as melhores evidências disponíveis.

Unimo-nos às vozes da sociedade civil, de instituições científicas e de profissionais de saúde na exigência pela revogação imediata da Resolução CFM nº 2.427/2025. Defendemos uma medicina ética, laica, baseada em evidência e verdadeiramente comprometida com o cuidado.

A saúde de crianças e adolescentes trans não deve ser regulada por vieses políticos, morais ou ideológicos, mas sim por evidências científicas, respeito à dignidade e às singularidades de cada indivíduo. O Brasil precisa avançar, e não retroceder, no cuidado com suas populações mais vulneráveis.

A decisão do CFM impacta não apenas protocolos clínicos, mas vidas. E vidas trans importam — em todas as fases do desenvolvimento.


Referências

Hembree, W.C., et al. (2017). Endocrine Treatment of Gender-Dysphoric/Gender-Incongruent Persons: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism.

WPATH (2022). Standards of Care for the Health of Transgender and Gender Diverse People, Version 8.

Turban, J.L., et al. (2020). Pubertal Suppression for Transgender Youth and Risk of Suicidal Ideation. Pediatrics.

Olson, K.R., et al. (2016). Mental Health of Transgender Children Who Are Supported in Their Identities. Pediatrics.

Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Ministério da Saúde. Brasil.



Sobre o autor:
Enzo Gomes

Transmasculino, 29 anos, negro e pansexual. Trans-ativista e pesquisador; Atua como Vice-Coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), e é membro da junta directiva da Rede de Coletivos Americanos de Homens Trans + (REDCAHT+).